Pois que papas e reis, filhos de reis
E os que em ventres reais foram gerados
Mortos enterram-se, bem o sabeis,
E a mãos alheias am seus reinados:
Eu, pobre diabo em Rennes e outros lados,
Não morrerei? Certo, se Deus quiser;
Mas tenha eu feliz, quinhão gozado,
A morte honrada venha quando vier.
Para todos o mundo tem final
Pense o que bem pensar rico ladrão:
A espada pende sobre nós, mortal.
O velho aceita essa consolação,
Ele que teve a fama de burlão
Jovial, no tempo em que era rapazola,
E ter-se-ia por mau e paspalhão,
Se velho usasse de fazer graçola.
Agora força é que entre a mendigar,
Pois a tanto o constrange a precisão,
Como ontem, põe-se a morte hoje a chamar:
A Tristeza lhe oprime o coração,.
Não fosse Deus e a sua punição,
Horrível ato ele praticaria:
Quebrando a lei de Deus com essa infração,
Ele a si mesmo se destruiria.
Se ele foi, quando jovem, agradável,
Agora nao diz nada mais que agrade;
Macaco velho е bem desagradável,
Não faz momice que não desagrade;
Se se cala, e com isso não enfade,
Levam-no à conta de perfeito idiota;
Fala? Mandam que cale, de verdade,
Que em sua ameixeira fruto não se nota.
Assim é que essas pobres mulherzinhas
Que já não têm com que, pois velhas são;
Se vêm rogar-lhes, umas jovenzinhas.
Que as alcovitem, pedem a razão
Baixinho a Deus: por que motivo, oh não!
Vieram há tantos anos para o dia?
Nosso Senhor se cala, quietarrão,
Pois, caso discutisse, perderia.
Comment