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A Geometria Das Facas – Vol. II

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nana 3 days ago
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Vol. I ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

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Capítulo 8 – Antes do Primeiro Tiro

O esconderijo principal ficava sob um mercado desativado nos limites da Zona Velha. As paredes eram úmidas, carregadas de poeira e cheiro de pólvora antiga. O silêncio tinha peso. Quase tudo ali parecia feito para durar mais do que o necessário.

No centro da sala, um mapa de Ausganor ocupava a mesa larga de aço. Camadas sobrepostas indicavam rotas, tempos, falas ensaiadas, áreas de dispersão, zonas de confronto. E os chamados “erros necessários”.

Narae estava de pé, braços cruzados, olhos fixos nas marcações. A lâmpada solta no teto balançava leve, lançando sombras fragmentadas sobre o grupo reunido.

— Cada um de vocês tem uma janela de quatro minutos — disse. A voz saía limpa, sem hesitação. — Se ultraarem isso, a imprensa chega antes do último tiro. E aí já sabemos o que acontece.

Cosmea assentiu devagar, os olhos ainda no chão.

Leeran ajustava o bracelete com o chip de transmissão escondido. Os dedos estavam trêmulos, mas ele tentava esconder.

Soren, recostado à parede, afiava uma lâmina curta com a calma de quem não precisava dela — era só ritual.

— A imprensa… — murmurou. — Eles vão contar a versão que parecer mais confortável. Heróis fáceis, vilões visíveis.

— Justamente por isso precisamos definir o enredo antes que eles apontem as câmeras — disse Narae. — Cosmea e Leeran vão parecer vítimas. Os dois serão evacuados com ferimentos simulados. Com sorte, isso compra a legitimidade que o resto do plano precisa.

O silêncio caiu como um pano grosso. Cosmea não disse nada, mas o aperto em sua mandíbula falava por ela. Leeran respirou fundo, sem encontrar um ponto no chão onde se fixar.

Soren ergueu o olhar, direto para Narae.

— Você fala como quem já fez isso antes.

Ela não respondeu de imediato.

— Talvez já tenha — disse, e voltou ao mapa. — O ataque será no auditório do Arquivo. Discurso de Egeria começa às nove. Às 9h02, o microfone será saboteado. Luzes cortadas. E os primeiros disparos, vindos do lado de fora. Dardos anestésicos. Barulho suficiente. Confusão suficiente. E no meio disso, Cosmea e Leeran serão resgatados por infiltrados civis.

— Quantos civis vão se ferir de verdade? — perguntou Cosmea, baixo.

Narae hesitou. Só um segundo. Mas hesitou.

— O mínimo possível. Mas o necessário.

Soren soltou um riso curto, sem humor.

— Sempre o necessário.

Narae apoiou as mãos na mesa, os olhos fixos no setor 3 do mapa.

— Vocês acham que a Imperatriz hesitaria em sacrificar inocentes se isso garantisse uma manchete de “resposta firme ao caos”? Ela não vai esperar. Vai reagir com tudo. E, quando reagir, vai parecer justificada.

A lâmpada balançou novamente. Do lado de fora, a cidade ainda dormia.

Mas faltavam menos de sete horas.

E o primeiro tiro, apesar de tudo, já havia sido dado.

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Capítulo 9 – Começa Sempre com Silêncio

03:47.

Ausganor ainda dormia sob uma névoa baixa. As ruas do Distrito Oficial estavam quietas — só varredores noturnos, alguns caminhões de manutenção. Nada que chamasse atenção. Exceto pelos postes que piscavam em sequência, cronometrados. E o letreiro da estação central, desligado por “manutenção técnica”.

Era o primeiro aviso. Mas ninguém escutava.

No subsolo, Cosmea ajustava os sensores sob o paletó. As mãos tremiam mais do que ela gostaria. Respirou fundo, tentando conter o enjoo leve que crescia no estômago.

Leeran surgiu atrás dela, com duas cápsulas na mão.

— Tranquilizantes — disse, estendendo uma. — Se sair do script, é isso ou improviso.

Ela pegou, sem comentar. Guardou no bolso como se fosse uma pedra.

— Você confia neles? — perguntou, quase sem olhar.

Leeran hesitou.

— Confio o suficiente.

— Suficiente pra arriscar tudo?

— Suficiente pra não assistir a cidade desabar de camarote.

Cosmea assentiu devagar. O olhar preso num ponto invisível à frente.

Em outro ponto da cidade, no alto de um telhado, Soren observava o prédio do Arquivo com um binóculo noturno. Narae estava ao lado, checando padrões térmicos com a lente de calor.

— Três seguranças fora do protocolo — sussurrou. — Esses não estavam no mapa antes.

Soren franziu o cenho.

— Paranoia de última hora? Ou intuição?

— Ela não é idiota.

— Não. Só vaidosa. Acha que o brilho das joias protege.

Narae respirou fundo, sem desviar os olhos.

— Topázio não para bala.

Soren ajustou o comunicador no colarinho.

— Acha que Cosmea consegue?

— Já ou por coisa pior.

— E você?

Ela ficou calada.

04:10.

Viaturas “civis” começaram a circular nos arredores do prédio. Todos infiltrados. Códigos curtos, transmissões limpas. Tudo no lugar. Tudo quieto demais.

No Palácio Cerimonial, no quarto andar, Egeria olhava para o próprio reflexo. O colar de topázios reluzia contra o pescoço firme.

Atrás de Egeria, a Imperatriz observava em silêncio. Não usava armadura. Apenas um robe claro e olhos carregados de algo difícil de definir: dúvida, medo ou luto antecipado.

— Você fala como quem quer o trono, Egeria.

— Eu quero justiça.

— E vai matar por isso?

Egeria se virou. A voz não tremeu.

— Você mesma disse: um dia tudo muda. Eu só quero escolher o dia.

04:39.

Leeran ou o braço por Cosmea, preparando a queda.

— Assim que o microfone falhar, começa. Quatro minutos. Se caírem certos, vão acreditar.

— E se der tudo errado?

Ele sorriu sem alegria.

— A gente corre.

04:42.

Narae pressionou o botão no pulso. Os postes apagaram em sequência, feito dominós de luz.

O microfone de Egeria chiou. Um som seco de estática, incômodo.

Ela se irritou. Olhou para a plateia.

— Problemas técnicos? Que conveniente…

Então a janela da ala leste estourou.

O ataque havia começado.

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Capítulo 10 – Estilhaços

04:44

O som do vidro quebrando ricocheteou nas paredes como um tiro mudo. No palco, Egeria parou. O microfone em sua frente chiava alto, estático, antes de se apagar num estalo seco.

— Protejam a Ministra! — gritou um dos seguranças, sacando a arma.

Puf. Puf. Puf.

Dardos silenciosos cruzaram o ar. Um dos homens caiu. Outro ainda tentou reagir, tateando no escuro enquanto a energia do auditório falhava em sequência. A fumaça cinzenta começou a subir pelas laterais do palco, vinda das saídas de ar. Ela encobria tudo. Confundia tudo.

04:45

Cosmea tropeçou propositalmente nos degraus da tribuna. Leeran a segurou com força exagerada, como se estivesse tentando salvar uma amiga ferida.

Ela prendeu a respiração, os sensores ocultos no torso simulando sinais de trauma. A cápsula que ela segurava entre os dentes foi mordida. Um soro inofensivo ativou uma leve dilatação nos olhos e queda de temperatura — era o suficiente para convencer um médico de que havia estado em perigo.

— Ela tá ferida! Leeran gritou, para ninguém em específico.

Dois voluntários correram, vestindo coletes de emergência, e começaram a puxá-los para fora pela lateral do palco.

— Não olha pra trás. — Leeran sussurrou a ela.

04:46.

Soren descia um cabo de metal preso no telhado do prédio, arma curta em punho, os olhos atentos à retaguarda.

Do ponto onde estava, ele via o caos se alastrar como veneno em água clara.

Egeria ainda estava de pé, cercada por quatro seguranças. Um deles havia conseguido ativar o escudo portátil — um campo de força opaco os envolvia, vibrando como vidro molhado.

— Alvo isolado. — Soren murmurou no comunicador.

— Foco no pulso externo. Façam parecer ação popular.

04:47

Narae avançava pelos corredores laterais. Na mão, o pequeno explosivo de contenção. Ativou. Arremessou para dentro da sala de assessoria. A detonação foi limpa. Vidros, fumaça, caos. O suficiente para ampliar o pânico. Era tudo uma coreografia — uma dança entre verdade e encenação.

Ela viu Egeria no palco, olhando direto para ela — ou talvez para o vulto que ela era naquela confusão. A líder dos Imperialistas não parecia assustada. Estava furiosa. Como se desafiasse aquilo tudo a dar errado.

E foi nesse segundo de hesitação que Narae sentiu o peso da decisão.

Era tarde para parar. Era cedo demais pra saber se haviam vencido.

E então, outra explosão — maior, mais próxima.

Um clarão. Um som de colapso.

Depois, só fumaça.

04:48

O comunicador vibrou no ouvido de Narae.

— Cosmea segura. Cinco minutos até a imprensa.

Soren já recuava. Leeran fechava os olhos ao sentir os primeiros flashes das câmeras do lado de fora. Cosmea, quieta, era conduzida entre a multidão como uma sobrevivente em choque.

Lá dentro, a fumaça dominava o palco. As luzes piscavam, os alarmes não soavam.

Egeria não era mais vista.

Mais tarde, todos diriam que ela foi morta no ataque.

A joia de topázio apareceu entre os escombros.

E ninguém questionaria o resto.

[Transmissão – 07:00h | Rede Nacional de Ausganor – Jornal da Manhã]

ÂNCORA (em tom grave):

— “Bom dia, Ausganor. A manhã de hoje é marcada por luto e inquietação. Durante uma cerimônia oficial no Palácio Cerimonial, a Ministra da Ordem Interna, Egeria Caldan, foi atingida durante um ataque coordenado. O governo confirma sua morte.”

(Imagens: fumaça densa, fragmentos de vidro no palco, alarmes soando, pessoas sendo retiradas. Nenhuma imagem de Egeria após o momento do ataque.)

— “A ação começou por volta das 04h44 da madrugada, com explosões e invasões simultâneas. Em meio ao caos, dois membros de alto escalão escaparam por pouco: a conselheira Cosmea Elthar e a vice-analista Leeran Voitz.”

(Imagem de arquivo: Cosmea e Leeran em sessões públicas ao lado de Egeria.)

— “Ambos estavam ao lado da ministra no momento do ataque e foram socorridos por agentes civis e equipes de emergência. Cosmea foi retirada em estado crítico, segundo fontes do setor hospitalar, mas está sob cuidados intensivos e apresenta sinais de estabilidade. Leeran sofreu ferimentos leves.”

(Vídeo: Leeran, manchada de sangue falso, segurando Cosmea inconsciente, sendo conduzida por corredores cheios de fumaça.)

— “A Imperatriz de Ausganor decretou luto oficial de três dias e autorizou o bloqueio imediato das fronteiras da capital. Em nota oficial, ela afirmou: ‘Não aceitaremos ataques à democracia sob nenhuma bandeira. A ordem será restaurada com verdade e coragem’.”

— “Fontes internas suspeitam da ação de grupos extremistas infiltrados no setor de infraestrutura, mas nenhuma organização assumiu responsabilidade até agora. A imprensa internacional acompanha com atenção.”

(Imagem da fachada do Palácio, isolado por barreiras, seguido de imagens de vigílias populares com velas e retratos de Egeria.)

— “Egeria Caldan será lembrada como uma defensora da disciplina e da integridade do Estado. Sua morte representa uma ruptura sem precedentes na estabilidade nacional.”

— “Cosmea e Leeran, antes vistos como pilares da juventude governista, agora são símbolos da sobrevivência diante do terror. Especialistas apontam que a reação do governo nos próximos dias pode definir os rumos de Ausganor para a próxima década.”

— “Seguimos com a cobertura completa ao longo do dia.”

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Capítulo 11 – A Versão que Sobrevive

O novo abrigo era um porão úmido, enfiado sob os escombros de um antigo arquivo público na Zona Leste. Ali, entre fichas abandonadas e prateleiras corroídas, a poeira convivia com a conspiração.

Narae mantinha-se curvada sobre a mesa central, analisando recortes de notícias no visor embaçado de um terminal velho. A imagem congelada mostrava Cosmea sendo levada por paramédicos. A manchete corria na parte inferior da tela:

“Sobreviventes do Ataque: Vice-Ministra e Conselheira escapam por pouco do atentado.”

Soren estava ao fundo, mexendo num rádio analógico, ajustando o som intermitente das estações. O mundo lá fora ainda se organizava para entender o que havia acontecido.

Leeran entrou. A roupa amarrotada, o rosto ainda carregando os traços do teatro — olhos opacos, a postura de quem sobreviveu ao impossível.

— Cosmea tá sob observação, disse, tirando o casaco e jogando sobre uma cadeira. Mantiveram a simulação da hipotermia. Estão dizendo que fui eu quem salvou ela.

Soren soltou um assobio leve.

— O novo rosto da bravura. Aposto que já tão imprimindo pôster.

Narae não reagiu. Olhou para Leeran e indicou a cadeira à sua frente.

— Vai ficar com ela no hospital.

Leeran franziu o cenho.

— Pra quê? Já tem repórter demais lá.

— Não seja idiota. Você precisa estar lá quando ela acordar. Pra garantir que a história continue igual.

Soren se virou.

— E porque duas testemunhas separadas levantam perguntas. Juntas, sustentam o mito.

Leeran respirou fundo. ou a mão na nuca, encarando o chão sujo do porão.

— E se eu errar? Se eu esquecer alguma coisa?

— Você não tem que lembrar de tudo, disse Narae. Só tem que parecer sincera.

Ela assentiu, devagar. O peso começava a se acomodar nos ombros. Leeran ergueu os olhos. Queria acreditar que aquilo tudo ainda fazia sentido.

— Você acha que um dia… a Cosmea vai entender?

— Talvez, respondeu Narae, desviando o olhar para a tela que piscava. — Mas a história não precisa que ela entenda. Precisa que ela represente.

Soren soltou uma risada seca.

Leeran se levantou, com o casaco de novo sobre os ombros. A respiração mais controlada.

— Me desejem sorte.

— A sorte já foi lançada, disse Narae. — Agora só resta você manter a pose.

A porta se fechou atrás dele com um estalo abafado.

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Capítulo 12 – O Peso do Silêncio

Os corredores do Palácio Aural pareciam mais longos naquela manhã. Longos demais. Erguidos para impressionar, não para consolar. A Imperatriz caminhava em silêncio entre colunas de mármore e tapeçarias de ouro velho — símbolos de poder que, naquele instante, soavam quase obsoletos.

Ela usava o manto da vigília: uma peça translúcida, tecida apenas para emergências que roubavam o sono. Era um traje leve, mas nela pesava como armadura.

A os atrás, a conselheira Sylem lia relatórios do visor portátil, tentando manter o ritmo da soberana.

— Nenhum grupo reivindicou o ataque até agora, dizia com a voz medida. Os dados sugerem ação coordenada, mas fragmentada. Células não identificadas. Extremistas desorganizados, talvez…

— E Cosmea? a Imperatriz interrompeu.

Sylem hesitou um segundo.

— Estável. Sedada. Leeran também. Ambos seguem em observação no hospital central.

— Claro. Justamente as duas.

A Imperatriz parou diante da porta de espelhos escuros que guardava a sala de segurança. Por um instante, contemplou o próprio reflexo. Estava pálida. Os olhos fundos. Um pingente de topázio preso à gola do traje. A última peça que Egeria lhe havia dado.

Egeria estava morta.

Mas o que ela dizia — aquilo ainda respirava.

“O governo não ignora. O governo consente. O governo participa.”

— Majestade? Sylem chamou, cautelosa.

A Imperatriz não respondeu de imediato. Quando falou, sua voz veio baixa, mas afiada:

— Não lhe parece… conveniente demais? Cosmea e Leeran escapando? Em meio ao caos?

Sylem manteve a compostura.

— Estavam expostos. À vista. Foi sorte.

— Sorte, repetiu a Imperatriz, como quem degusta veneno.

Girou devagar, o olhar fixo na conselheira.

— Cosmea foi criada sob os olhos da República. Leeran apareceu do nada e virou rosto público em menos de dois anos. E Egeria… sempre duvidou da pureza entre eles.

— Majestade… está sugerindo que eles estavam envolvidos?

— Estou dizendo que a sobrevivência deles é suspeita demais pra ser apenas circunstância.

O silêncio caiu como uma cortina espessa.

A Imperatriz voltou-se para o espelho. ou os dedos longos pela moldura escura, como se procurasse alguma lembrança enterrada ali.

— Marque uma visita ao hospital. Oficial. Discreta. Só pra lembrar que estamos olhando.

— Devem ser avisados?

— Deus, não. Deixe que pensem que ainda dominam a narrativa. É quando se sentem seguros que cometem deslizes.

Sylem assentiu com a cabeça e se afastou com os suaves.

A Imperatriz ficou ali, sozinha com o próprio reflexo. E fez algo raro.

Cerrou os punhos.

Raiva, sim — mas contida. Silenciosa. Venenosa.

Depois murmurou, quase imperceptível:

— Se minha melhor amiga morreu num espetáculo fabricado… eu quero os nomes dos roteiristas.

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Capítulo 13 – Os que Despertam Debaixo da Pele

Local: Caverna de Roalen, Território Exterior – Zona Neutra Sul

Ali, o frio da madrugada não entrava. O ar era denso, impregnado de fumaça resinosamente doce e terra encharcada de tempo. As paredes da caverna, negras e curvas como costelas gigantes, estavam cobertas por relevos entalhados com ossos e pedras afiadas: ursos em pé, corações abertos, olhos maiores do que qualquer olho humano deveria ser.

Um círculo de tochas mantinha o espaço aceso em tons laranja e sombra. No centro, um altar de pedra rugosa. Sobre ele, uma mulher envolta em panos escuros e tecidos dourados respirava com esforço contido.

Egeria.

O rosto ainda marcado por queimaduras finas, os cabelos soltos, escurecidos pela fuligem e umidade. Nenhuma joia. Nenhuma coroa. Apenas o corpo quebrado e o nome intacto.

Ajoelhado diante dela, estava Morân — líder dos Ursos, vestindo couro pesado bordado à mão com fios que brilhavam discretamente à luz das chamas. Seu corpo era um mapa de cicatrizes e tatuagens tribais. Seus olhos, antigos demais para a idade visível.

Cinco seguidores se ajoelhavam ao redor do altar. Um deles — uma mulher de máscara feita de osso curvado — ergueu a voz:

— Ela… ainda pode falar?

Morân assentiu. Tocou o peito de Egeria com a palma aberta, firme como uma oração.

— Ela falará quando as mentiras virarem muros. E quando os muros forem finos o suficiente para que um urso os atravesse sem esforço.

Egeria gemeu. Um som rouco, ferido. Os olhos se abriram, devagar. Encararam o teto da caverna como quem vê o céu pela primeira vez depois do naufrágio. Ela piscou, tossiu uma vez, e murmurou:

— Eles me queimaram.

— Tentaram, disse Morân. Mas o fogo não sabe diferenciar fim de início.

Ela virou o rosto com dificuldade. O símbolo dos Ursos gravado na rocha acima dela — o círculo dentro do círculo — lhe disse onde estava. Sua expressão se estreitou.

— Vocês não servem ao trono.

— Nem o combatemos, respondeu Morân. O trono não é nossa guerra.

— Então por que me tiraram das cinzas?

Morân sorriu, com a serenidade de quem caminha entre ruínas e flores sem distinguir qual veio primeiro.

— Porque o mundo esqueceu o que você representa. Mas nós não esquecemos.

Egeria tentou se erguer, mas Morân segurou seu ombro com delicadeza, mantendo-a deitada.

— Você vive. Mas ainda é silêncio. Você pensa. Mas ninguém te ouve. Você está aqui. Mas é segredo. Isso… te torna poderosa.

Ela ficou imóvel por um instante.

— A Imperatriz sabe? — sua voz mais firme.

— Ela suspeita.

Egeria cerrou os punhos sobre os panos que a cobriam.

— Então deixou que acreditassem que eu morri.

— Sim.

— Então me deu algo mais valioso que lealdade.

Morân não respondeu. Curvou a cabeça. Os demais seguiram o gesto.

Egeria respirou fundo. Um novo ar. Uma nova pele.

— Vocês vão me ajudar a voltar?

Morân ergueu os olhos.

— Vamos ajudá-la a descobrir… se ainda quer.

Fragmentos do ado — Os Ursos

Muito antes de se tornarem uma lenda subterrânea, Os Ursos eram um movimento místico-revolucionário, surgido nas fronteiras esquecidas de Ausganor, onde a lei era um boato e a fé, uma moeda. Eram chamados, à época, de “Irmãos do Ciclo Dourado” — e não eram vistos como um culto, mas como visionários.

Seu princípio era simples:

“O poder deve ser devorado e recriado. O ciclo deve continuar.”

Eles acreditavam que toda forma de governo — seja ele justo ou tirânico — envelhecia como a carne, e que o papel deles era apressar o apodrecimento e guiar o renascimento. Não como líderes, mas como parte do ritual. Isso os tornava perigosos demais para os conservadores e úteis demais para os oportunistas.

Em sua fase de expansão, infiltraram pequenas aldeias e cidades da Orla Sul. Usavam rituais de purificação, danças de sangue e entoações com tambores de urso, para seduzir os marginalizados e os poderosos locais ao mesmo tempo. Com a promessa de sabedoria ancestral e ciclos de abundância, eles ganharam influência entre prefeitos, oficiais e até generais de médio escalão.

Mas sua expansão teve um custo.

Em determinado ponto — vinte e três anos antes da história atual — os Ursos foram considerados uma ameaça direta ao Trono de Ausganor. Uma caçada foi ordenada. Os rituais foram classificados como heresia, e seus líderes executados publicamente sob acusação de “manipulação psicossocial e provocação de colapso institucional”.

Morân, então um jovem intérprete dos textos do ciclo, sobreviveu. Escondeu-se. Reuniu os remanescentes. Mudaram o nome. Esqueceram os tambores. Esqueceram os gritos.

Agora, eram apenas Os Ursos.

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Capítulo 14 – Perfume de Ferro

O cheiro foi o primeiro sinal.

Não era o incenso usual dos Ursos, nem o bolor úmido das cavernas — era doce demais, quase cítrico, com um fundo metálico. Um perfume que feria, como uma lembrança forçada.

Depois veio o som: os, todos no mesmo ritmo, ecoando como sinos dissonantes. Estavam vindo.

Morân já se erguia, calmo, mas os olhos cerrados indicavam que ele sabia: não eram visitantes. Eram caçadores.

— As Chanels — murmurou uma das irmãs de máscara. — Elas nos encontraram.

Do corredor da pedra escura, surgiram silhuetas em marcha. Mulheres — todas usando longos casacos estruturados, botas envernizadas, e luvas de couro negro. Seus cabelos eram curtos, lisos, perfeitos. Os rostos, inexpressivos, escondidos atrás de óculos redondos espelhados.

À frente, uma figura diferente: alta, esguia, vestida inteiramente de branco. Em sua gola havia o símbolo de uma rosa costurada com fios prateados. Ela segurava uma bengala de marfim com ponta de ferro. Seu nome era Lisette.

— Vocês estão intoxicando o tecido da nação. — ela disse com voz suave. — Estamos aqui para costurar de volta o que vocês rasgaram.

Morân se manteve imóvel.

— Vocês são a nova farsa do império?

Lisette sorriu levemente, com pena.

— Não. Somos o que o império seria se tivesse coragem.

Antes que qualquer outro som fosse trocado, uma das Chanels avançou e arremessou um pequeno tubo ao chão. Ele estalou, liberando uma fumaça dourada que se espalhou rápido.

Os Ursos recuaram. A caverna virou confusão, ofegos, ordens abafadas. Mas Egeria não fugiu. Ela observava, sentada num banco de pedra ao fundo, os olhos cravados em Lisette.

A líder Chanel a viu também. Inclinou a cabeça.

— Você já foi símbolo. Agora é só ruído.

— E você,” disse Egeria, com desprezo, é só o novo cheiro do autoritarismo.

Lisette estreitou os olhos. Havia ali um incômodo. Uma vontade de eliminar aquela mulher, mas também de preservá-la — de fazer dela uma mensagem mais útil viva do que morta.

Ela deu meia-volta, o casaco balançando com precisão cirúrgica.

As Vitrinas seguiram. Em minutos, três agens secundárias dos Ursos foram seladas com concreto expansivo. Dois curandeiros foram levados. Uma criança desapareceu.

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Capítulo 15 – Casa que Respira Baixo

O apartamento de Narae era menor do que Soren imaginava. Mas não no sentido físico. Era como se o espaço inteiro estivesse em silêncio, do tipo que respira baixo, como um animal adormecido.

As luzes estavam suaves, puxadas por tons quentes que não pareciam condizer com a Narae que ameaçava ministros e arquitetava traições. Ele ou os olhos por livros empilhados em prateleiras improvisadas, plantas reais (não sintéticas), e um sofá de tecido antigo que não combinava com mais nada — nem mesmo com ela.

Ela surgiu da cozinha com duas taças de vinho.

— Não sei se você vai gostar. Peguei o menos suspeito da adega.

— Você tem uma adega?

— Adega é um exagero. Três garrafas dentro do forno. É quase um cofre.

Ele riu e pegou a taça, os dedos roçando os dela mais do que o necessário. Ela notou, mas fingiu que não.

Sentaram no chão, costas encostadas no sofá. Do lado de fora, a cidade fazia seu barulho abafado — drones, os, buzinas distantes.

— Você realmente vive aqui? — ele perguntou, olhando ao redor.

— Ué. Esperava o quê? Cortinas de ferro e câmeras nos quadros?

— Esperava um pouco mais de desordem.

— Eu escondo bem o caos. Coisa de gente perigosa.

Ela bebeu devagar, olhando pra ele por cima da borda da taça. Soren retribuiu o olhar com um leve sorriso, como quem sabe que está em território dela, mas não pretende sair.

— E você? ela perguntou. — Sempre parece tão seguro, tão controlado. É mesmo ou só finge melhor que os outros?

— Sou péssimo ator.

— Mentira. Você engana todo mundo. Até a mim, às vezes.

— Você se deixa enganar?

Ela riu. Um riso curto, fechado, mas real.

— Às vezes.

Silêncio. Um bom silêncio. Eles bebem mais um pouco. Ela estica as pernas, os pés tocando o dele de leve.

— Por que veio hoje?

— Você mandou.

— E se eu mandar você ficar?

— Acho que ficaria.

Ela vira o rosto pra ele. Sério. Um pouco provocador, mas não brincando.

— Mesmo que nada aconteça?

— Eu não vim pra acontecer. Vim porque você está aqui.

Os olhos dela baixam por um instante, como se essa honestidade a tirasse de posição. Mas ela recupera rápido.

— Você diz essas coisas como se fossem verdadeiras.

— Elas são.

Ela se inclina, mais próxima. A taça meio esquecida entre os dedos. Eles estão a poucos centímetros.

— Você sempre flerta desse jeito?

— Só com quem poderia me matar.

Ela ri, mais abertamente agora. Encosta a testa na dele por um segundo, como quem testa a temperatura do momento.

— Cuidado, Soren. Eu ainda posso.

— Eu sei. É parte do fascínio.

Ela se afasta devagar, não por vontade, mas por controle. Se levanta e vai até a janela, abrindo uma fresta. O ar da noite entra com cheiro de poeira e eletricidade.

— Vai dormir aqui?

— Se você deixar.

— Tem um sofá que não combina comigo. Deve combinar com você.

Ele se levanta, caminha até ela. Para atrás, sem tocar.

— E se eu pedir pra não ir pro sofá?

Ela vira apenas um pouco o rosto, mostrando um sorriso calmo e perigoso.

— Aí eu vou ter que pensar.

Ela não diz mais nada, mas caminha até o quarto. Deixa a porta aberta.

Ele fica parado por um momento. Depois, descalça as botas, termina o vinho e segue o som do quarto como quem segue uma trilha de promessas.

O quarto estava escuro, mas não completamente. A luz da cidade entrava pelas persianas entreabertas, desenhando linhas pálidas no chão de madeira. Narae não acendeu nada. Apenas sentou na beira da cama, os cotovelos apoiados nos joelhos, de costas para a porta.

Soren parou na entrada, encostado no batente.

— Você faz isso sempre?

— O quê?

— Convidar gente perigosa pra sua cama.

Ela olhou por cima do ombro, com um olhar que misturava desafio e desinteresse calculado.

— Você não é tão perigoso assim.

— É o que todo mundo diz antes de me deixar entrar.

Ela sorriu. Pequeno. Controlado. Mas levantou uma sobrancelha como se dissesse: “então entra.”

Soren foi até ela, sentando-se ao seu lado. Por um momento, nenhum dos dois falou. O som era só o da respiração, das cortinas dançando com o vento, do quarto que parecia estar retendo o fôlego.

Ele ou um dedo pela costura do lençol, distraído, antes de deixar a mão escorregar para o joelho dela.

— Você ainda pode me mandar embora.

— E você iria?

— Se você dissesse com essa voz… acho que não.

Ela virou-se levemente, as pernas agora cruzadas de modo a ficar mais de frente pra ele. As mãos dela tocaram o colarinho da camisa dele, arrumando sem precisar. Um toque cuidadoso demais pra ser casual.

— Você gosta de flertar como se fosse perigo, mas olha pra mim como se esperasse que eu quebrasse seu coração.

— Você fala como se já tivesse.

— Ainda não decidi.

Ele inclinou-se para frente, devagar, como se o tempo estivesse hesitando com eles. Os narizes quase se tocaram.

— Você sempre controla tudo assim?

— Quase tudo.

Ele a beijou, sem pressa. Um beijo demorado, de quem conhece o gosto do vinho, o gosto da dúvida. Ela respondeu do mesmo jeito — nada faminto, nada desesperado, só firme, como se dissesse “eu sei o que estou fazendo.”

As mãos dela aram pelos ombros dele, descendo pelas costas. As dele foram à cintura, depois mais acima, sem urgência.

Quando o beijo se quebrou, os rostos ainda estavam próximos.

— Fica essa noite. — ela disse.

— Eu queria que você pedisse.

— Pedi.

Ela puxou a camisa dele por cima da cabeça com habilidade. Ele fez o mesmo com a dela. Os toques não eram ansiosos, mas certeiros. Como quem sabia onde tocar e onde esperar.

Narae o empurrou devagar para trás na cama, o corpo dela cobrindo o dele. Os cabelos caindo sobre os olhos dele. Ele ou as mãos pelas laterais do corpo dela, como se mapeasse um território sagrado.

— Você ainda acha que não sou perigosa? — ela sussurrou.

— Acho que você é o lugar mais perigoso que já conheci.

Ela sorriu. Um sorriso pequeno, mas verdadeiro. Um sorriso que dizia “eu sei.”

E naquela noite, no meio de uma cidade vigiada e podre, dois conspiradores se esconderam na pele um do outro. Não por fraqueza — mas porque sabiam que, mesmo na escuridão, havia momentos que só pertencem a quem ousa tocar e não fugir.

A Geometria Das Facas – Vol. II-⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

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Capítulo 16 – Linha de Fumaça

Soren acordou com o cheiro da cidade entrando pela janela — aquele aroma leve de poeira aquecida, ozônio e alguma coisa distante queimando. O lençol ainda guardava calor, mas o corpo de Narae não estava mais ali.

Ele se moveu lentamente, o peito nu se erguendo com um suspiro. Os olhos buscaram a figura dela pelo cômodo.

Lá estava, à janela.

Narae estava de pé, apoiada no batente com o corpo relaxado, mas atento. Vestia apenas a camisa dele, longa demais, e mantinha os binóculos presos ao rosto com firmeza. A cidade ainda dormia lá fora — ou fingia dormir. Os poucos pontos de luz azulada marcavam os topos dos prédios de segurança, e abaixo, sombras se moviam devagar pelas vias cinzentas.

Ela não notou que ele havia acordado. Continuava observando. Os olhos ajustando a lente, depois parando. Fixando.

— Costuma espiar seus inimigos antes do café? — Soren murmurou, a voz rouca pelo sono.

Ela respondeu sem tirar os olhos da lente.

— Três figuras. Talvez quatro. Femininas. Todas com casacos longos, botas pretas, andando rápido. Não são do bairro. E não parecem estar perdidas.

Ele se sentou, esfregando o rosto.

— Estão armadas?

— Não que eu veja. Mas se estiverem, escondem bem.

— Você acha que são…?

Ela abaixou o binóculo. Por um segundo, não disse nada.

— Eu não acho nada. Só estou vendo. Mas o jeito como andam… como escolhem as sombras… Isso não é fuga de civis. É movimentação treinada.

Soren se levantou e caminhou até ela. Quando chegou perto, notou como o rosto dela estava fechado — não em alarme, mas em cálculo. Havia algo frio nos olhos dela que não estava ali algumas horas atrás.

Ela já tinha o comunicador em mãos quando ele disse:

— Vai avisar alguém?

— Vou plantar uma semente.

Ela apertou um botão e a frequência se abriu. Cosmea atendeu primeiro, com uma voz ainda presa no travesseiro.

— Narae? Já é hoje?

— Vocês precisam estar preparadas — disse Narae, direta. — Vi movimentação agora há pouco. Algumas mulheres, deslocamento coordenado, botas pretas, casacos estruturados. Indo rápido, sem interação. Estilo tático urbano disfarçado.

Leeran entrou logo depois, a voz já acordada. Como se nunca tivesse dormido.

Cosmea ficou em silêncio por um momento. Depois, com cautela:

— Você acha que são da Coroa?

— Não tenho certeza. Mas é o tipo de presença que vem antes de uma visita importante. Talvez uma inspeção não oficial. Talvez outra coisa.

Leeran falou:

— Você quer que a gente diga que viu também?

— Não. Quero que digam que ouviram. E que, se forem pressionadas, descrevam mulheres fugindo do caos — casacos grandes, botas pesadas, algo sobre o medo. Uma imagem que soe caótica, mas com detalhes específicos. Isso é mais crível do que parecer informada demais.

— E se perguntarem o que estavam fazendo ali? — Cosmea perguntou, já mais desperta.

— Vocês estavam ajudando com evacuação de abrigo não oficial. Nada ilegal. Só… confuso. Use a confusão.

Mais alguns segundos em silêncio. Então Leeran:

— Entendido. Vamos preparar o relato.

— Sem pressa demais — completou Narae. — E não sejam coerentes. A dúvida é a defesa mais segura agora.

Ela desligou. O comunicador devolveu o som vago da cidade.

Soren estava atrás dela, os braços cruzados. Observava como ela parecia já a quilômetros dali.

— Eu nem ouvi você levantar.

— Eu não dormi muito.

— Estava preocupada?

— Não. Estava observando.

Ela voltou a olhar pela janela, mas já sem o binóculo. O grupo havia sumido.

— Tem fumaça se erguendo perto da zona industrial — disse ela, mais para si mesma.

— Incêndio?

— Não. Queima rápida. Descarte. Podem estar apagando rastros.

Ele tocou de leve o ombro dela.

— Você quer que eu vá?

Ela virou levemente o rosto, mas sem suavizar o olhar.

— Não ainda. Pode ser útil ter você aqui.

— “Útil” é o seu jeito de dizer “fica”?

Ela sorriu. Um sorriso pequeno, sem promessas.

— É o meu jeito de não mentir.

Do lado de fora, a cidade se esticava em camadas e névoa. O dia ainda não tinha amanhecido de verdade. Mas já havia fumaça no ar, e os nos becos.

Soren beijou o ombro dela, uma vez só. Depois se afastou.

O mundo estava acordando. E eles, mais uma vez, voltavam ao jogo.

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