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Naquela manhã sai de casa antes do nascer do sol, o céu ainda negro e as ruas vazias apenas preenchidas pela névoa da aurora. Caminhava sem rumo, perdido, como um viajante sem destino.
Havia dormido o dia inteiro ontem, na tentativa de aplacar meus sentidos. Esquecer da minha própria existência. Mas foi tudo em vão. Porque por mais que minha mente ansiasse por descanso de toda dor, eu continuava a ser consciente mesmo nos meus sonhos.
Neles abria os olhos no plano em que gastei toda minha juventude e esperança. A mesma realidade ilusória que me fez escravo por tanto tempo. Meu céu. Meu inferno. Completamente sozinho.
Meus os incertos faziam seu próprio caminho. Permiti-me contemplar as ruas, o céu, outrora escuro, rendia-se para a luz de um novo dia.
Nenhuma noite dura para sempre, concluí.
Depois do que pareceram horas caminhando, finalmente permito-me ver aonde meus pés cansados e minha mente confusa me trouxeram. Ao pé de uma montanha, longe das pessoas e das ruas.
Repentinamente sinto a mais genuína esperança.
Talvez se eu conseguir chegar até lá algo completamente extraordinário possa acontecer.
Uma recompensa.
O que sempre estive procurando.
Isso!
Como uma força geratriz essa conjectura preenche minha alma e completa minhas forças. Escalo com o resto de força contida dentro de mim, tentando atingir o mais alto ponto.
Alcanço a última pedra e com um impulso projeto meu corpo para cima. Ergo-me por fim, com o coração batendo como louco e a respiração falha, observo a vista que o meu surto de ardor me ofereceu.
O céu azul que tomou o lugar da escuridão noturna e a névoa fria, que imutável, dançava calmamente em torno das montanhas. Observo a linha do infinito e sinto a familiaridade de uma cena que nunca vi.
Déjà-vu.
Eu costumava sonhar em conquistar o mundo. Achava que estava destinado a grandes obras. Porque todos os outros seres humanos não pareciam ver o mundo como eu o via, talvez a mesma melancolia que me alienava de uma vida ordinária não era uma maldição, mas uma benção. Achava que isso me fazia essencialmente especial.
Com o tempo, no entanto, percebi que era muito menos do que me convencia ser. Não houveram grandes conquistas, e tudo que me propus a fazer falhei miseravelmente. Eu era um grande e absoluto vazio, uma alma sem substância alguma.
Gastei os anos da minha juventude esperando esse grande algo surgir de repente em minha vida, e dar sentido para minha existência sem propósito. Mas nada nunca pode despertar a menor faísca no meu coração. Por mais que eu me jogasse as chamas e esperasse ser consumido, minha alma era velha e imortal.
Todas as coisas que amei, nunca fui capaz de ao menos tocá-las.
Ainda me lembro dela. Da única que me trouxe algum tipo de alívio, mas todas as histórias tinham o mesmo final. E um dia recebi o seu convite de casamento na caixa de correio.
Nunca mais a vi, era menos doloroso.
Fui um medíocre em meus trabalhos, e a literatura nunca trouxe retorno suficiente para que a sociedade pudesse me ver como “bem-sucedido”. Talvez ninguém era capaz de compreender minhas palavras, ou talvez minhas obras não eram grandiosas como pensava.
Sinto a brisa fria tocar meu rosto.
Essa existência não faz sentido.
Nesse momento compreendo e aceito, finalmente, a verdade imutável:
Não há recompensas se não a própria existência.
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![O fim da odisseia de um viajante perdido-[C][[House of Woodcock|https://www.youtube.com/watch?v=bT_XjcdgT6g&list=](https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fpm1.aminoapps.programascracks.com%2F7630%2Fdbaa33008544206dc82a4e80012500ea3f527d95r1-1599-2048v2_hq.jpg)
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